sábado, 14 de fevereiro de 2015

Cinqüenta Tons de Cinza - Quer saber por que eu gostei?


Aviso aos navegantes, não sou daquelas que acredita no duelo Livro versus Filme.

Creio que cada um tem sua magia e encantamento. Ao ler o livro soltamos nossa imaginação, criamos mentalmente os personagens, inclusive suas características físicas, nos transportamos para os lugares, e quando temos boa conexão com a leitura conseguimos até “sentir” os aromas e gostos descritos nos capítulos.

O que me encanta no cinema é a junção da arte e da técnica para reproduzir histórias, mais do que um simples entretenimento, o cinema pra mim é uma experiência sensorial: Visão – a gigantesca tela, a fotografia do filme, a interpretação dos atores; Audição – Trilha sonora e a locução e as falas. O Olfato, Paladar e Tato ficam por conta de todo o clima da sala de cinema, daquele cheiro de pipoca que perfuma o ambiente, de comprar um enorme combo com pipoca e refrigerante, se acabar de tanto comer e lambuzar o dedo de manteiga.

Portanto, eu consigo gostar dos dois, e acho que no caso do Cinqüenta tons de Cinza o filme está bem fiel ao livro. Lógico que não dá pra pegar 455 páginas de texto e colocar na integra em apenas 125 minutos. Você que fala “Nossa, mas o livro é bem mais completo”, ou “Faltou colocar tal capitulo, ou tal parte do livro”, enfim, tem toda razão, o filme é um compacto do livro e sempre irá faltar alguma coisa, mas nem por isso pra mim um ou outro perde seu encanto, pois não estão duelando, cada um ocupa categorias diferentes, mas abordam o mesmo tema.

Quanto ao enredo do Cinquenta Tons de Cinza me agrada e muito, sei que muitas pessoas acham que o livro é mal escrito; que foi “inspirado” no crepúsculo; que é como se o livro fosse da série "Sabrina", com uma história um pouco maior; que incentiva o comportamento machista e agressivo; e que distorce às práticas de BDSM, não agrada os praticantes deste tipo de Fetiche.

Cada um vive em seu universo, possui uma bagagem cultural diferente e carrega suas próprias bandeiras diante daquilo que vive, conhece e acredita.

Ok, essa é a opinião de uma eterna Pollyanna (do livro Pollyanna, de Eleanor H. Porter), adepta do "jogo do contente", que busca extrair algo de bom e positivo em tudo, mesmo nas coisas que aparentemente são desagradáveis.

Para aqueles que a linguagem desagrada, que consideram pobre e mal escrito,  posso até concordar dependendo do tipo de livro com o qual você faz comparações, muitas amigas que adoram literatura ou possuem o hábito corriqueiro de ler não gostaram de jeito nenhum. Até acho que Cinquenta tons de Cinza parece a Zíbia Gasparetto do erotismo, por ter muitas páginas e mais páginas com descrições minuciosas dos fatos ocorridos. Eu gosto de ler, já li verdadeiras obras primas da literatura, mas não coloco o Cinqüenta tons de Cinza para disputar nessa categoria. Classifico como um livro de entretenimento, com linguagem fácil, uma historia que prende a atenção e que conseguiu de fato popularizar um tema tabu que é o sexo/fetiche.

Lembro que quando era pequena minha mãe sempre carregava um livro “Sabrina”, nunca conversei com ela sobre as historias, nem sei se nelas abordavam questões como fetiche, submissão, sexo não convencional ou só ficava no romance. Talvez a coleção de livros  "Sabrina" mexessem com o universo das fantasias e desejos há alguns anos atrás, e esse tipo de leitura pudesse causar um frisson em suas leitoras. Não posso fazer comparação, pois nunca li nenhum, mas não vejo problemas em comparar, afinal sou mega favorável a qualquer tipo de leitura que estimule a mulher a fantasiar, a buscar o prazer e a sair da rotina sexual de sua relação.

Quando coloco isso, logo me vem os discursos feministas pregando que o Cinquenta tons de Cinza tem pontos negativos para a imagem da mulher, pois incentiva a submissão e a violência.

Eu defendo o empoderamento feminino na sociedade, igualdade de papéis e a garantia dos direitos, mas sinceramente não vejo mal nenhum no fato da mulher viver outros papéis quando envolve o universo da sexualidade.

Sou uma mulher independente, sou dona do meu nariz e tomo minhas próprias decisões e meu parceiro me conquistou por ser um homem de atitude. Não tenho vergonha de assumir que em certos momentos é muito bom ser comanda. Posso me permitir ser submissa sexualmente e fazer um papel diferente daquele que eu vivo no meu dia a dia,  alias entre quatro paredes posso fazer o que eu quiser, desde que isso me proporcione prazer.

Acho mesmo que as mulheres devem se permitir viver o prazer de forma intensa. Se você gosta de dominar, simples – domine, mas se gosta de servir seu parceiro e sente prazer em ser submissa, então que assim seja. O importante é que a pessoa busque viver verdadeiramente o prazer (melhor do que fingir, é sentir), experimentar novas experiências, e se não gostar, não faça de novo.

Sinceramente tem pontos que eu (Thais) conflitaria horrores com o comportamento controlador (fora da cama) do Sr Grey, mas mesmo sabendo disso afirmo que tem várias características nele que sim, mexe com o meu imaginário e também com o de várias mulheres que se apaixonam por ele.

Tem muitas pessoas que pensam assim:
“Também é fácil se apaixonar pelo cara, ele é um bilionário, leva pra passear de helicóptero, dá carro de presente, assim é fácil conquistar”.

Mas, não estou aqui pra falar dos bilionários da vida real, estou aqui pra falar com os meros mortais que não possuem helicópteros. Pois então, dá muito bem para ser um Sr Grey, e isso não esta diretamente atrelada a questão financeira (ajuda muito ter dinheiro), mas surpreender pode ser mais fácil do que você imagina.

Christian Grey elogia, surpreende, protege, deseja e dedica-se a relação. O elogio e a admiração são verdadeiros combustíveis para o sucesso de um relacionamento, olhar e dizer “Você está linda” pode mudar o dia de uma mulher. Surpreender não requer necessariamente dar um carro de presente de formatura, mas perceber algo que a mulher gosta, por mais simples que seja, e do nada aparecer e entregar (para as românticas - flores, chocolate e mimos; para as sensuais – algemas, lingeries ou algo que estimule a fantasia).

Grey, por mais que tenha esse jeito obcecado e controlador, sempre demonstra carinhos e cuidados, protegendo e zelando para que sua amada fique bem. Mas, tão importante quanto proteger e dar carinho, é amar e dar prazer, nisso precisamos sim tirar o chapéu para o Sr Grey, todas as mulheres (digo todas porque nunca conheci uma que dissesse o contrário) gostam de homens com “pegada”, que tenha olhar de desejo, que saiba o que fazer com as mãos (com as outras partes do corpo também). Enfim, tanto no livro quanto no filme temos um homem extremamente envolvente que faz de tudo para conquistar, e mais do que isso que está disposto a ouvir o que ela tem pra falar, olhando nos olhos, para depois disso criar uma relação boa para os dois.

Ah! Tem a questão da violência, do incentivo a agressão, das comparações como essa:
“Se bate na mulher e é pobre – Lei Maria da Penha. Se bate na mulher e é rico – Cinqüenta tons de Cinza”.

Desculpe, isso pode até parecer engraçado, mas não tem nada a ver uma coisa com a outra. Pra quem defende isso eu pergunto: em que trecho do livro ou do filme que o Christian Grey levanta a voz, briga, grita, agride ou violenta a sua parceira Anastasia?!?!

Ao contrário, ele fora do contexto sexual a trata como uma verdadeira rainha. Porém, entre quatro paredes (neste caso ainda mais especifico, no quarto vermelho) ele libera seus desejos mais secretos. 

Não podemos confundir violência ou abuso sexual com Fetiches. Tudo que acontece nessa trama é consensual, muitos dizem que ela só aceita as extravagâncias sexuais dele para continuar a relação e que tudo que ela faz  é por obrigação. Neste caso vale a leitura do livro que descreve todas as descobertas de prazer que Anastasia, inclusive o despertar de sua "Deusa Interior".

Mesmo não representando corretamente a essência do movimento BDSM (Bondage, Disciplina, Submissão, Sadismo e Masoquismo), sendo considerado por adeptos deste movimento como sendo "baunilha" (convencional), o livro/filme mostram que são necessários cuidados para essa prática seja segura. Na relação entre eles existia um contrato que estabelecia as regras da dominação e nele descrevia claramente o código de segurança: 


19 - O Código “Amarelo” será usado para chamar a atenção do Dominador para o fato de que a Submissa chegou perto de seu limite suportável.
20 - O Código “Vermelho” será usado para chamar a atenção do Dominador para o fato de que a Submissa não pode tolerar mais qualquer exigência. Quando esta palavra for dita, a ação do Dominador cessará completamente com efeito imediato.
Pode parecer absurdo, pois isso não faz parte do seu universo (nem do meu) mas isso comprova que os limites eram respeitados, e dentro do SSC (são seguras e consensual). Ana concorda com os termos, e até negocia clausulas do contrato, isso caracteriza uma relação consensual.

Entendo que o filme não represente mesmo a prática do BDSM, a maioria das pessoas que simpatizam com o Cinquenta Tons querem “sexo baunilha”, pois podem até comprar um chicote pra brincar com o marido, mas se ele experimentar bater com mais força, acaba na hora o clima e vai ouvir reclamações.

Podem até querer viver o clima do filme, de ser amarrada, dominada, viver uma nova experiência sexual, mas não são todas as pessoas que encontram o prazer na dor, a grande maioria evita a dor. 


Portanto, não vejo que com o filme cresça o número de adeptos do BDSM, que realmente se identifiquem com esse padrão de comportamento, mas acredito que o filme vai ajudar as pessoas que estão cansadas do tradicional “papai-mamãe” a variarem a posição, colocar fantasia em sua relação e ao mesmo tempo levar a sério a letra de funk que diz “Dói, um tapinha não dói”.

Dizem que no filme as cenas de sexo foram “lights”, que podiam mostrar mais explicitamente o que rolava naquele quarto vermelho. Mas você acha sinceramente que as pessoas estão prontas para cenas explicitas com órgãos genitais expostos na grande tela? Eu tenho certeza que não, achei que foi na medida, usaram arte tanto na relação sexual quanto na nudez e isso torna o filme mais comercial  e aceitável.

Se foi inspirado na saga Crepúsculo, ou nos contos da Sabrina; se o livro é melhor que o filme; se isso ou aquilo, eu não sei. O que sei é que amo muito tudo isso (livro e filme), pois traz para a sociedade uma discussão sobre um tema que todo mundo sabe, todo mundo faz (ou quase todo mundo), mas que ainda hoje não é visto com naturalidade: o SEXO.

Fico feliz de ver que um filme com essa temática lote as salas de cinema por todo o mundo, que a nudez e as relações sexuais sejam vistas com naturalidade.

O que vejo de mais relevante na discussão que vem a tona com o Livro/Filme Cinqüenta Tons de Cinza é poder desconstruir a ideia de que existe um padrão de “normalidade”, ou um único comportamento que seja aceitável na relação sexual e que tudo que foge a isso é perversão e promiscuidade. Às vezes, pessoas se aprisionam em seus relacionamentos sufocando seus desejos e fantasias, só para se enquadrar nesse padrão sexual que ainda hoje a sociedade nos coloca.

Que isso sirva de incentivo para que as pessoas descubram o que desperta seu desejo sexual, que tenham uma visão mais ampla sobre as questões sexuais, que saibam quais seus limites e suas fantasias, mas que sintam-se livres para experimentar e viver novas formas de prazer. Manter esse padrão de normalidade sexual só aprisiona e cria relações muitas vezes infelizes.

Que este filme traga para a nossa sociedade reflexões sobre a sexualidade.

Thais Plaza


Publicitária, Empresária, Consultora em Sexualidade, Pós-Graduanda em Terapia Sexual na Saúde e Educação, membro da ABRASEX (Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e Terapia Sexual)

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